O Que é Cadeia de Custódia e Sua Importância na Perícia Digital

No mundo físico, a prova material é manuseada com luvas e armazenada em invólucros lacrados para preservar sua integridade. Na perícia digital, a “prova” é um conjunto de bits e bytes, invisível e extremamente frágil. A cadeia de custódia surge como o mecanismo fundamental para garantir que essa prova intangível mantenha seu valor jurídico. Ela é o alicerce que confere credibilidade à prova digital, assegurando que ela seja exatamente a mesma desde a sua coleta até a apresentação em tribunal.

Conceito e a Jornada da Prova Digital

A cadeia de custódia é o rastreamento documental e ininterrupto de uma evidência digital, desde o momento em que é coletada até a sua devolução ou descarte. Em termos simples, é a história completa da prova. Ela descreve quem coletou a evidência, quando, onde, como e quem a manuseou em cada etapa subsequente. O objetivo é criar um “caminho” documentado que demonstre que a prova não foi alterada, contaminada ou substituída. Cada passo na jornada da prova – do local do crime digital ao laboratório de análise, e daí para o tribunal – deve ser meticulosamente registrado para que não haja dúvidas sobre sua autenticidade.

Normas Aplicáveis e Protocolos Essenciais

Para que a cadeia de custódia seja válida, ela deve seguir protocolos e normas reconhecidas internacionalmente e, no Brasil, a legislação específica. A principal norma aplicável é o Código de Processo Penal (CPP), em especial o Artigo 158-A e seus parágrafos, introduzidos pelo Pacote Anticrime. Esses dispositivos definem a cadeia de custódia como “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em instrumentos de crime”.

Além disso, a prática forense digital se baseia em princípios como o do isolamento, que impede que o dispositivo digital original seja modificado, e o da duplicação bit a bit, que cria uma cópia idêntica da mídia digital, preservando o original. Ferramentas de hashing (como MD5 ou SHA-256) são usadas para gerar uma “impressão digital” do arquivo, permitindo verificar, a qualquer momento, se a cópia da prova foi alterada.

As Implicações Legais da Cadeia de Custódia

Do ponto de vista jurídico, a cadeia de custódia não é apenas um procedimento técnico, mas um direito constitucional. Ela está diretamente ligada aos princípios do contraditório e da ampla defesa, garantindo que a parte acusada tenha a oportunidade de questionar a origem e a integridade da prova. Uma falha na cadeia de custódia pode levar à inadmissibilidade da prova, ou seja, o juiz pode decidir que a evidência não é confiável e, portanto, não pode ser usada para sustentar uma acusação ou uma decisão. Esse é um ponto crítico, pois uma prova que poderia ser decisiva pode perder todo o seu valor simplesmente por uma falha de procedimento.

As Falhas Mais Comuns e seus Riscos

As falhas na cadeia de custódia são os principais pontos de ataque das defesas em processos que envolvem prova digital. Algumas das mais comuns incluem:

  • Coleta Deficiente: A prova é coletada sem a documentação adequada ou sem a criação de uma imagem bit a bit, comprometendo a integridade do original.

  • Contaminação: O perito ou o investigador acessa o dispositivo original sem as devidas precauções, podendo alterar metadados (como datas e horários de acesso).

  • Quebra de Registro: O registro da evidência não é contínuo. Falta a documentação de quem manuseou a prova em determinada fase ou não há registro do transporte.

  • Armazenamento Inadequado: A mídia digital não é armazenada em local seguro, lacrado ou à prova de alterações, tornando-a vulnerável a manipulações.

Qualquer uma dessas falhas pode ser suficiente para invalidar a prova perante o tribunal, independentemente do que ela revele.

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Título do Artigo:
O Que é Cadeia de Custódia e Sua Importância na Perícia Digital

Jeorge Nunes

Perito digital com sólida atuação em computação forense, especializado em sustentar tecnicamente a defesa de réus em ações penais que envolvem provas digitais.

Credenciado como perito nos Tribunais de Justiça de 22 estados, incluindo SP, RJ, DF, GO, RS, PR e outros.

Membro da APECOF (Associação de Peritos em Computação Forense) e registrado no CREA-GO.

Formação: MBA em Informática Forense, MBA em Direito Cibernético, MBA em Gestão de TI (IPOG) e Engenheiro de Software pela UniRV.

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