Cadeia De Custódia, Garantindo A Validade Jurídica

Com a intensificação da digitalização de processos e a crescente dependência de sistemas informáticos, a correta gestão de dados digitais tornou-se um vetor central no contexto probatório contemporâneo. Diante da expansão de ilícitos que envolvem elementos digitais — como fraudes eletrônicas, crimes cibernéticos e litígios contratuais com suporte digital — a manutenção rigorosa da cadeia de custódia de evidências digitais constitui condição indispensável para garantir sua validade, confiabilidade e admissibilidade em juízo. O presente parecer visa fornecer subsídios técnicos e jurídicos aos operadores do Direito quanto à importância dessa cadeia e às melhores práticas periciais para sua preservação.

Conceito Legal De Cadeia De Custódia

Nos termos do art. 158-A do Código de Processo Penal, a cadeia de custódia compreende o conjunto de procedimentos voltados à manutenção e documentação da cronologia de vestígios colhidos, desde o reconhecimento inicial até sua eventual inutilização. O objetivo é assegurar rastreabilidade e controle rigoroso sobre o manuseio das evidências, viabilizando sua autenticidade e integridade.

O processo inicia-se com o reconhecimento e o isolamento dos vestígios no local da ocorrência, etapas essenciais para evitar contaminações ou alterações não autorizadas. Destacam-se os seguintes elementos:

  • Reconhecimento: Identificação formal de artefatos digitais com potencial valor probatório, como dispositivos, mídias ou registros em nuvem.
  • Isolamento: Proteção do ambiente e dos vestígios contra interferências externas, assegurando a preservação da cena digital no estado em que foi encontrada.

Cadeia De Custódia Em Provas Digitais

A adoção de protocolos rigorosos de custódia é fundamental para que os vestígios digitais possam ser admitidos como meio de prova válido. A cadeia de custódia deve:

  • Assegurar a autenticidade do material apresentado;
  • Preservar a integridade e a integralidade dos dados coletados;
  • Documentar toda e qualquer manipulação, permitindo a verificação de eventual alteração ou contaminação.

Diante da natureza volátil e altamente suscetível à adulteração das evidências digitais, qualquer intervenção indevida — mesmo que não intencional — pode comprometer sua confiabilidade e valor jurídico. A atuação pericial pautada em métodos científicos é imprescindível para garantir o contraditório, a ampla defesa e a segurança jurídica.

Normas Técnicas: ISO/IEC 27037 E RFC 3227

A condução da cadeia de custódia digital deve observar normas técnicas internacionais que estabelecem parâmetros reconhecidos e auditáveis. Dentre elas, destacam-se:

  • ABNT NBR ISO/IEC 27037 – Diretrizes para identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências digitais, assegurando sua confiabilidade técnica e legal.
  • RFC 3227 – Boas práticas para coleta e manuseio de evidências em ambientes de rede e sistemas computacionais.

O item 2.4 da RFC 3227 estabelece que toda evidência digital deve ser inteligível, auditável e passível de validação perante o Judiciário, reforçando a importância da documentação metodológica desde a coleta até a análise forense.

Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) Da SENASP

Em âmbito nacional, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), vinculada ao Ministério da Justiça, desenvolveu Procedimentos Operacionais Padrão específicos para orientar a atuação de peritos criminais nas diversas frentes da informática forense. Dentre os principais, destacam-se:

  • Exame de Mídias de Armazenamento (HDDs, SSDs, pendrives, etc.);
  • Análise de Equipamentos Portáteis (notebooks, smartphones, tablets);
  • Exame de Ambientes Digitais (infraestruturas de rede, nuvem, e sistemas web).

Esses POPs visam padronizar métodos, ferramentas e precauções para garantir que o trabalho pericial seja reprodutível, confiável e respaldado tecnicamente.

Valor Jurídico da Assinatura HASH

As assinaturas hash constituem mecanismo técnico essencial na preservação da integridade de arquivos digitais. Trata-se de um valor alfanumérico gerado a partir do conteúdo de um arquivo por meio de algoritmos como SHA-256 ou MD5. Qualquer alteração — mesmo mínima — no conteúdo gera um hash completamente distinto, permitindo imediata identificação de adulterações.

Do ponto de vista jurídico, a assinatura hash:

  • Serve como garantia de integridade do documento desde o momento da coleta;
  • Permite validação célere e objetiva da autenticidade da prova digital;
  • Constitui elemento de reforço à fé pública da perícia, corroborando a idoneidade do material apresentado.
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Título do Artigo:
Cadeia De Custódia, Garantindo A Validade Jurídica

Jeorge Nunes

Perito digital com sólida atuação em computação forense, especializado em sustentar tecnicamente a defesa de réus em ações penais que envolvem provas digitais.

Credenciado como perito nos Tribunais de Justiça de 22 estados, incluindo SP, RJ, DF, GO, RS, PR e outros.

Membro da APECOF (Associação de Peritos em Computação Forense) e registrado no CREA-GO.

Formação: MBA em Informática Forense, MBA em Direito Cibernético, MBA em Gestão de TI (IPOG) e Engenheiro de Software pela UniRV.

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